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50 Anos do Meu Bar Mitzvá

Adrián Gottfried

Hoje celebro não apenas uma data. Celebro uma travessia de meio século. Há exatos cinquenta anos, subi à Torá pela primeira vez na Comunidad Bet El em Buenos Aires, que se tornou minha sinagoga de origem, na parashá  desta semana בהעלותך, e tive a sorte e a honra de que minha cerimônia foi oficiada por MORI Ve RABI, meu mestre e rabino  Marshall Meyer.

E ali, uma luz foi acesa. Desde então, minha tarefa tem sido clara: manter essa luz acesa e fazer com que ela ilumine outros.

Em בהעלותך A Torá diz: בְּהַעֲלֹתְךָ אֶת הַנֵּרוֹת  “Quando acenderes as lâmpadas…” (Bamidbar Números 8:2)

Os sábios explicam: a palavra בהעלותך vem de להעלות — elevar. Ou seja, acender não é apenas iluminar, mas fazer com que a chama suba por si mesma. Esse é o papel de um rabino, de um líder, de uma comunidade: não brilhar sozinho, mas iluminar os outros, para que cada um posso revelar sua próprio brilho e luz.

Claro que a minha jornada do BM ao rabinato  foi um processo lento e longo de conhecimento, de muito engajamento e de muito estudo, mas sem dúvida o que mais me impactou em Marshall foi a sua famosa frase, que ele ensinava com seu exemplo pessoal: Uma mão a Torá, outra mão no jornal do dia

Foi isso que aprendi com o Rabino Marshall Meyer. Que viver a Torá não é fechar os olhos para o mundo, mas justamente abrir bem os olhos com coragem e compaixão.

O conceito básico judaico que o estudo deve caminhar ao lado da lado com a ação. Ss palavras dele que agora são minhas também : “Com uma mão, segure a Torá. Com a outra, o jornal do dia.” E com isso, me transmitiu uma visão de judaísmo que é viva, corajosa e compassiva, que me inspirou para escolher o Rabinato.

Não posso deixar de mencionar outro mestre fundamental: o rabino do meu rabino Abraham Joshua Heschel. Ele dizia: "To live is to stand for."
Viver é tomar posição. Viver é compromisso.

A neutralidade nunca é neutra. A omissão nunca é inocente. O silêncio, muitas vezes, é cúmplice.

Há uma linda história chassídica que fala justamente sobre a força do espírito, da intenção e da memória sagrada.

Ela é muitas vezes atribuída ao Rabi Moshe Leib de Sassov ou ao Baal Shem Tov, dependendo da versão. Esta história, que aparece no livro "Contos Chassídicos" de Martin Buber, me acompanha há anos e talvez diga mais sobre o judaísmo do que muitas aulas:

Era uma vez, numa geração distante, uma grande calamidade caiu sobre o povo. Ontem Israel deu início a um ataque preventivo contra o Irã. Da para perceber  nada novo debaixo do sol  como explica Kohelet Diante, voltando a  história ao ver tanto dor e sofrimento, o grande mestre, Israel Baal Shem Tov, se dirigiu à floresta. Lá, ele fazia três coisas: 1 Ia até um local secreto na floresta.  2 Acendia uma fogueira de uma forma sagrada. 3 Dizia uma prece especial. E o milagre acontecia ! o povo era salvo.

Na geração seguinte, seu discípulo, o Maguid de Mezeritch, enfrentou uma calamidade semelhante. Ele foi até a mesma floresta e disse: “Não sei mais como acender a fogueira, mas sei o local e sei a prece.

E o milagre aconteceu.sugnificanfo que o povo era salvo

Depois veio Rabi Moshe Leib de Sassov. Ele disse: “Não conheço onde é  lugar, nem como acender a fogueira. Mas sei a prece. Mesmo assim, o milagre aconteceu.

Mais tarde, chegou a vez de outro líder. Diante de nova dor, ele disse: “Não sei o lugar, nem como acender o fogo. E também esqueci a prece. Mas… posso contar a história.”

E isso foi suficiente. Porque contar a história era como acender o fogo de novo, com as chamas da memória e do espírito.

Poder de celebrar cinquenta anos de Bar Mitzvá não está em repetir o ritual, mas em manter acesa a chama. Mesmo que só reste a lembrança, ainda assim há fogo e claro a história.

Mesmo quando esquecemos o ritual, mesmo quando não temos mais o local sagrado, a lenha ou as palavras certas  a memória da luz e o desejo de reacendê-la já são uma forma de acender o fogo.

O relato nos lembra que a essência do sagrado não está nos detalhes técnicos, mas na intenção,na Kavaná, no coração e na continuidade da alma judaica.

Hoje, olho para a Comunidade Shalom e vejo nela um auténtico mikdash meat, um santuário sagrado e vivo.

Uma comunidade vibrante, inclusiva, cheia de espírito e alma. Um lugar sagrado  onde histórias são contadas, luzes são acesas, e a memória se transforma em compromisso. Um lugar onde a história continua viva, compartilhada e transmitida.

Como nada é por acaso, parte da minha vocação espiritual vem também  do meu BM, vem do texto que li pela primeira vez 50 anos atras na minha Haftará do Profeta Zecharia.

A Haftará de Behaalotechá nos traz a voz do profeta Zecharia, ele viveu no período pós-exílico, especificamente entre aproximadamente 520 AEC. Ele profetizou durante o reinado do rei persa Dario:

לֹא בְחַיִל וְלֹא בְכֹחַ – כִּי אִם בְּרוּחִי, אָמַר ה' צְבָאוֹת

“Não por força e não por poder, mas pelo Meu espírito, diz o Eterno dos Exércitos.” (Zacarias 4:6) Essa é a essência do judaísmo que herdei: não é o poder bruto que constrói o sagrado, mas o espírito, a alma, o ruach. É a chama da justiça, o sopro da compaixão, o fogo da esperança.

A ideia de luz só tem sentido quando reconhecemos que ela existe em contraste com as sombras. A cada chama reacendida, somos também chamados a olhar para a escuridão que ainda paira sobre o mundo.

Hoje, ao reacender a luz de Behaalotechá, não podemos deixar de lembrar dos 53 reféns que ainda permanecem em Gaza vidas interrompidas, cotidianos despedaçados desde 7 de outubro.

Que suas histórias não sejam esquecidas. Que a ausência de suas presenças nos incomode. Que suas luzes, ainda acesas em nossas memórias, inspirem nossa responsabilidade, fortaleçam nosso compromisso, renovem nossa esperança.

Porque mesmo quando tudo parece perdido, mesmo quando a escuridão é espessa  continuamos transmitindo nossa história.

Cinquenta anos depois, se me perguntarem onde estou, eu responderei com a palavra mais profunda do nosso povo:

הִנְנִי Hineni. Eis-me aqui.

Hineni: presente, inteiro, com corpo, alma e memória.
Hineni: com gratidão por tudo o que recebi.
Hineni: com fé no que ainda está por vir.
Hineni: com o compromisso de continuar a jornada, e passar adiante a luz que um dia acenderam em mim.

Que sejamos todos portadores de luz. Que cada um de nós carregue, com humildade e coragem, a luz sagrada que recebeu  aquela que um dia alguém acendeu em nós.

E que essa luz não seja cuidada apenas para nós mesmos, mas que possa ser compartilhada com generosidade, acendendo os corações que ainda caminham na sombra, tocando vidas que ainda esperam por chama, e reacendendo esperanças onde o fogo parece ter se apagado.Porque acender a luz do outro é também é reacender a nossa.  שבת שלום

Mon, 21 July 2025 25 Tammuz 5785